Sentado na varanda com um whisky barato, sopro a fumaça de meu charuto e a observo dançar ao vento, ao som da música insólita que toca na sala dos fundos. Ela entorpece meu nariz, me tira o fôlego, me enjôa, mas é o que me dá prazer então eu trago novamente….
Ando pensando nas coisas que eu aspirei, em ambos os sentidos da palavra. Penso nas mulheres que desejei mas nunca me tiveram e em outras que sulguei ao extremo e soprei como esta fumaça que entra pela porta e preenche a casa. Como fantasmas do passado….
Poderia ter segurado alguma um pouco mais, até que penetrassem em meu âmago e se tornassem um câncer. Não um câncer ruim, se é que isso é possível, mas um tumor benígno que crescesse em mim, se tornasse parte de meu corpo e que me fizesse viver diferente, eternamente e que me trouxesse responsabilidades de uma vida adulta.
Mas eu não sou assim, eu sopro, não trago e aspiro outras coisas distantes. Outros fantasmas me assombram, demônios belos e astutos fazem as palavras mudarem de direção, chegando erradas em seus ouvidos e em meus ouvidos. O que era pra ser cuidado e carinho, me chega como estratégia, amarras, armadilhas. E em vez de eu curtir, deitar minha cabeça em colos cedidos, eu fico frio, entre cerro os olhos e observo arisco. Temeroso, reflexivo.
Volto a pensar que já desejei várias mulheres desesperadamente, permaneci de braços abertos, em silêncio, do outro lado da rua por algum tempo, esperando que elas atravessassem. Nunca muito tempo, mas sempre tempo o bastante. Para as que não atravessaram, já voltei muitas vezes depois de partir, muitas vezes encontrei corpos caídos na sargeta mas mesmo assim, abri os braços e as peguei no colo novamente. Mas muitas vezes voltei e não encontrei absolutamente nada. E geralmente foi bem melhor assim.
Algumas vezes eu me sinto perseguido por sombras de algumas mulheres, algumas vezes eu sou a sombra. E em todas as vezes eu posso sofrer, mas sobrevivo. Tudo é questão de tempo. Para que a fumaça se dissipe e suma. E embora o cheiro dure um pouco mais, ele some com o tempo tambem.
Eu fico aqui soprando minhas fumaças, criando meus fantasmas e me perguntando o que uma dessas sombras poderia fazer para me alcançar, e se me serviria a mesma estratégia para alcançar as pessoas a quem eu assombro.
Eu não descubro. Não existe alguma coisa que faria mudar meus sentimentos, logo não creio que alguma coisa mude na cabeça desses seres assombrados, com algum gesto ou alguma palavra minha. A reação química que cientistas afirmam ocorrer no cérebro, não é algo provocável. É o que eu acho… Então tento fazer o que deve ser melhor, para não ser inconveniente, deixar o universo convir com sua superioridade: sopro e deixo ir.
Pressiono o charuto sobre o cinzeiro e olho as últimas manchas de fumaça se dissipando. Não tenho mais o que soprar. O cheiro fica, mas logo some e tudo volta ao normal.
Anjos são invisíveis, os Demônios é que costumam ser belos, mas isso não significa que sejam maus. Anjos assistem e protegem, demônios fazem acontecer.
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1 Comment
NOSSA………PERFEITO,amei,foi no fundo, vc faz a gente se ver no que descreve como se fosse um filme, sei lah….as palavras contagiam a mente e entram na alma…nunca tinha lido nada assim……..Anjos assistem e protegem….. Demônios fazem acontecer.