Era aproximadamente 8h30 da manhã quando escutei um barulho na tela da janela da sala. Fui checar e avistei uma grande mariposa, de asas alaranjadas e um mimetismo que parecia olhos de um pássaro. Ela estava imóvel, pousada sobre as ferragens verdes do vitrô. Ignorei e fui terminar de tomar meu café.
Tomei café ouvindo aquele barulho, incessante e desesperador, da mariposa tentando sair pela tela de insetos da janela da sala.
Nossas vidas continuaram naquele dia, como um dia normal, trabalhando em nossas rotinas, exceto por aquele barulho, que ora se tornava comum, ora voltava incomodar. Logo depois do almoço, fui checar novamente e vi a mariposa no mesmo lugar, na mesma posição. Logo percebi que já estava morta. Não era ela quem estava tentando sair. Deveria ser outra mariposa, que eu, irritado, iria ajudar a se libertar antes que morresse também.
Para a minha surpresa, sobre as frestas do vitrô avistei um rabinho azul esverdeado brilhante de um minúsculo beija-flor, e o remorso me veio instantaneamente, por ter ignorado aquele ser em apuros. Não que beija-flores sejam mais dignos de ajuda do que mariposas, mas é normal sermos mais afetuosos com aves do que com insetos.
Coloquei minhas mãos delicadamente ao seu redor, como uma concha, e o envolvi, tirando ele dali. Estava muito ofegante, com os olhinhos cansados se fechando. Levei para fora e fiquei um bom tempo parado, com o bichinho na palma de minha mão, esperando ele descansar. Sentia sua respiração forte, em seu pequeno corpo imóvei, com o biquinho para baixo. Coloquei perto de um pouco d’água, mas ele estava tão cansado que sequer se mexia.
Esperei mais e mais, até que ele abriu as asas e em um enorme esforço, fez um pequeno vôo desengonçado, quase caindo até alcançar um galho a menos de um metro de mim, onde pousou. Continuei ali, solícito, na eminência de pegá-lo novamente caso caísse, ou pronto para defendê-lo de qualquer outro animal que se aproveitasse de sua fraqueza.
Depois de meia hora, ele já se mexia um pouco mais. Olhinhos mais abertos me olhavam e observava tudo ao arredor. E alguns minutos a mais, voou para longe.
Tentei ver para onde foi, e com um sorriso nos olhos, estendi minhas mãos para que ele voltasse. Ele não voltou! Ele não veio agradecer, ele não virou meu amigo. E um sentimento já guardado a muito tempo em meu peito, ressurgiu de forma consciente.
Por que precisamos desse reconhecimento carente de gratidão e aprovação? Ele não ia voltar, ele não vai voltar. Ele não vai vir me dizer o quão lindo é o que eu fiz ou faço, que está tudo bem, que tem orgulho de mim.
A mariposa estava morta, o beija-flor foi salvo, coisas se vão, coisas ficam, e é natural que ele não volte pra agradecer ou elogiar, a vida é assim, em seu ciclo e sua continuidade.
Ele continua fazendo seu trabalho, polinizando, movimentando a energia, mesmo que invisível. Mas se eu prestar atenção, talvez ouça seu canto, baixinho por ai, ou perceba seus pequenos sinais…
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