Em algum momento de minha infância, talvez num momento próximo de quando comecei a me perceber vivo, eu senti um cheiro delicioso. Meu pai me disse que era o cheiro de Dama da Noite, e caminhando pelo quintal, comigo no colo, me mostrou pequenas flores roxas e brancas, em um arbusto.
Ele inclinou seu corpo, apoiando em meu peito, para que eu pudesse me esticar até aquelas florzinhas e aspirar seu perfume. Aquele passou a ser o meu cheiro favorito.
Me lembro uma vez que participei de um evento circense de hipnose, onde eu tinha que pensar em um cheiro, e foi nesse cheiro que eu pensei. Ou outras vezes que eu sentia aquele cheiro delicioso e saia procurando no escuro, pelas florzinhas de duas cores.
O meu pai se foi, eu cresci, e adulto, com 47 anos de idade, no quintal do sítio que ele me deixou, conheci uma linda flor, gigante, branca, que só abre durante a noite, e em uma breve pesquisa, com a ajuda de amigos, descobri que aquela sim era a verdadeira Dama da Noite. Ainda que perfumada, seu perfume era sutil e não dispersava como o da outra florzinha.
Manacá de Cheiro era a tal florzinha perfumada que eu passei mais de 40 anos acreditando ser Dama da Noite, porque meu pai me disse que era. Ou por um desconhecimento, ou apenas pra apresentar àquela criança, uma flor qualquer que desse continuidade à experiência sensitiva daquela noite mágica que exploramos o jardim, e me aproximou mais dele.
O real motivo dele ter feito aquilo, hoje não me interessa. O que me interessa de fato é perceber que nossas crenças e conhecimentos não são, ou ao menos não deveriam ser engessados. E mesmo que tenha sido apenas uma criação de meu pai, é importante saber que seus pais são seres humanos passíveis de erro, ou crenças irreais. Está tudo bem assim.
Em algum momento de sua vida, você pode ter percebido ou aprendido algo errado, e a humildade e aceitação permitem que erros sejam reconhecidos, que as informações gravadas a tanto tempo sejam reformuladas. Você corrige o percurso e a vida flui. Você evolui e a beleza se transforma, como aquela florzinha roxa que vai ficando branca com o passar do tempo.
Hoje, com 47 anos, eu conheço uma flor linda, enorme, que se abre durante a noite. Mas o cheiro que eu mais gosto, não é mais da Dama da Noite. Hoje, o cheiro que mais gosto, que me lembra de meu pai, é o do Manacá de Cheiro…
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