As pessoas questionam quando eu digo que não gosto de viajar. Como se viajar fosse algo tipo chocolate, que você é obrigado a gostar. Ninguém é obrigado a gostar de nada, mas pensando melhor, eu acho compreensível que no mundo atual, exista essa necessidade de se viajar.
O pretexto é ‘recarregar as energias’. E é fato, você recarrega as energias quando viaja. Mas a real é que não é a viagem que recarrega as energias mas sim o sentir. A correria do dia a dia, a rotina, o trabalho, as responsabilidades, nada disso lhe dá a necessidade de viajar. Descansar não é o maior objetivo de se viajar (mesmo por que, geralmente se cansa mais do que descansa em uma viagem).
Descansar você descansa deitando em sua cama, mas então me diz: Qual a textura de sua cama? Qual o cheiro de sua casa? Como é o tronco da árvore em sua rua, ou a cor da fachada da casa da vizinha? Quanto tempo você não sente a brisa que entra pela janela de seu próprio quarto?
Esse é o real motivo de se viajar: Sentir! Quando você viaja, um lugar novo lhe faz religar todos os sentidos que estavam desligados por que você acredita que a rotina não lhe traz nada de novo. E não sentir, não enxergar, não respirar, acaba com nossas energias e nos faz necessário viajar.
Eu não tenho um valor estatístico, mas acredito que artistas natos tem menos necessidade de viajar. Por que nós, escritores, desenhistas, compositores, fotógrafos, estamos muito mais atentos a tudo ao nosso redor, mesmo às coisas que pareciam já estar ali.
Cada passeio vespertino que eu dou com a minha cachorra é diferente, mesmo que no mesmo bairro, nas mesmas ruas, o céu é diferente, os cheiros são diferentes, os insetos que eu vejo pelo chão são diferentes, e sentir cada sutil diferença me recarrega a ponto de não existir em mim a necessidade de viajar.
É legal sim, viajar, e quando eu digo que não gosto, na verdade quero dizer que não preciso, ou não prefiro. Mesmo por que, eu também gosto muito da textura de minha cama, do controle que tenho sobre as coisas em minha casa, de sentir a grama com os pés descalços em meu jardim.
E as vezes, se por algum estresse do dia a dia eu preciso dar uma carga mais rápida, eu uso a adrenalina de um passeio em matas fechadas, ou faço algum esporte radical, e isso me basta. Eu sinto!
O mundo é muito grande e a pretensão de conhecê-lo por inteiro, não me soa grande ideia, alias, me soa perda de tempo, enquanto há a ideia de muita coisa a conhecer por aqui.
E quando alguém me conta de uma linda viagem que fez lá naquele outro continente, tão diferente, eu acho muito legal, mas eu também tenho histórias pra contar: ‘cara, tem lugares tão lindos pra conhecer aqui no meu bairro, e eu nem experimentei todos os pratos do chef do restaurante da esquina!’.
Se você gosta dessa ideia de recarregar as energias com o sentir, leia também Ensaio sobre o Universo – Parte 2
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