Quando o Mar Vermelho se abriu para Moisés atravessar, acho que ele não questionou muita coisa e foi. Que estranho eu, logo eu, citando passagens do livro cristão. Mas é uma boa analogia para minha partida.
Minha amiga Aline me chamou dizendo que estava descendo da Bahia sentido Sul, e eu morrendo de vontade de ir para o Sul, cogitei pega-la em Paraty para descermos juntos. No mesmo momento, outra amiga que até então eu só conhecia nas redes, me chamou, dizendo que viria me visitar antes de recomeçar sua nova jornada em sua Kombi.
Pensei na mágica desse sincronismo de fatos, e acreditei que era o Mar Vermelho se abrindo para mim. Contrariando a todos que diziam sobre os altos índices de contaminação de Covid19, preferi seguir as regras do Universo e minha intuição, e estabeleci minha partida.
Paula chegou no sítio em uma segunda feira, com sua Kombi azul, toda arrumadinha. Partimos na quarta, sentido Paraty – RJ, onde encontraríamos Aline.
Viajamos o dia inteiro e paramos em um camping delicioso no meio do caminho. Mais precisamente em Gonçalves – MG, na Serra da Mantiqueira. Momentos lindos e perfeitos, desses que dão medo pois parece que é preparativo para algo ruim acontecer.
Acordamos no dia seguinte, fechei a barraca enquanto Paula fazia nosso café na ‘cozinha’ da Kombi e partimos. Na dúvida de que serra descer, escolhemos descer a Serra de Ubatuba. Escolha errada que só iríamos descobrir horas depois.
Descidas e subidas de serras e estradas mágicas, repletas de vegetação e paisagens maravilhosas, nós citávamos o ritmo dos outros carros que se enfileiravam atrás da gente esperando uma brecha pra ultrapassar que nunca acontecia. Então, a gente encostava e deixava todo mundo passar pra seguir nossa viagem lenta e prazeirosa.
Até que na horrível descida da Serra de Ubatuba, bem lá em baixo, depois de vencer as curvas fechadas em 180 graus, eu vejo pelo meu retrovisor, o pisca alerta da Kombi ligado. Antes de processar que algo estava errado, vi a Kombi bater no barrando de areia e tombar na pista. Desespero total.
Parei o carro de qualquer jeito no meio da estrada e sai correndo pra acudi-la. A buzina da Kombi estava disparada e ela gritava “fica tranquilo, eu estou bem!” lá de dentro, sentada na porta da Kombi tombada. Outro rapaz que vinha do carro de trás também correu e juntos tiramos ela lá de dentro pela janela do passageiro, que agora se apresentava mais como um ‘teto solar’.
Ela me abraçou dizendo que estava tudo bem, e eu comecei a chorar, sentindo culpa por te-la colocado naquela estrada. “Ta tudo bem”, ela repetia tentando me acalmar em vão. Talvez ter visto a Kombi tombando, tenha sido mais assustador do que estar lá dentro. Ela disse que tombou lentamente, só arranhou o ombro e descobriu um roxo em sua coxa dias depois.
Tivemos a ajuda do guincho do DER que veio rápido pois notou que ela tinha problemas quando passamos por eles logo acima. Enquanto tiravam a Kombi da pista, Paula tomava todas as providências de acionamento do seguro que os levou horas mais tarde para Santos, interrompendo sua viagem.
Segui sozinho para Paraty, triste, choroso, sem curtir os prazeres da BR que finda o estado de SP. Me sentindo muito culpado, mesmo tendo ciência que tudo é como tem que ser, e que esse incidente viera pra que algum acontecimento mais importante possa acontecer ou deixe de acontecer. “Melhor assim”, tenho que me convencer a dizer, e repetir incansável, com sentimento nobre de gratidão pelo ocorrido.
Em Paraty, Aline me esperava no lugar escolhido por mim. A tal ‘Casa da Floresta’ era uma guest house no meio do mato, onde era necessário atravessar uma pinguela sobre um rio de forte correnteza. Eu escolhi esse lugar para ficarmos 2 dias por que parecia ser um lugar de paz, e a anfitriã, tinha ares de paz e sabedoria. Adepta do yoga e meditação, com rosto muito bonito, moldado por belos cabelos loiros e piercing no nariz. Trazia paz e simpatia em suas fotos nas redes sociais.
E de repente um cão amarelo de médio porte sai correndo, descendo as escadas da varanda de sua casa e morde a Samanta por trás, fazendo aquela gritaria de briga de cães e humanos. A bela mulher então aparece na porta e talvez um pouco assustada me questiona sobre Samanta estar sem guia. Me sentindo injustiçado, ainda assim, me apresento e explico que Samanta anda sem guia, que eu passo segurança pra ela de outra forma e que ela deveria ter me avisado sobre a presença de cães bravos na casa, ainda mais se chegaríamos sem uma devida recepção.
Enfim, deixei o sentimento ruim de lado. Procurei trabalhar em mim um entendimento que justificasse a momentânea antipatia da anfitriã e consegui com êxito. Em meu âmago, voltei a vê-la como uma bela pessoa e durante os dois dias que passamos por lá, insisti que ela viesse até nós para conversarmos, compartilharmos histórias etc. Essas coisas que nós nômades gostamos de fazer. Mas isso não aconteceu. Apenas conhecemos os voluntários que trabalhavam lá e que de certa forma supriram a ausência da anfitriã.
Foram dois dias de passeios por praias distantes, sem movimento, e voltas no lindo Centro Histórico de Paraty. E então, iniciamos nossa descida para o Sul do País, sem muitos planos nem roteiros.
Sair sem planos e sem pontos definidos, nos proporcionou caminhos incríveis e diferenciados, mas também nos deixou meio sem pouso definido. Em menos de uma semana, dormimos nos lugares mais inusitados.
Em Ilhabela, ficamos em um Camping, ao lado do hostel que voluntariei no ano passado. Quando chegamos lá, tivemos uma impressão ruim do lugar, mas inverso do que ocorreu em Paraty, a expectativa baixa foi imediatamente invertida pela deliciosa vibração do lugar, temperada pela recepção de André, um músico com vivências nômades e muita história pra contar, como gostamos, como achamos que tem que ser. Dormimos bem, em minha barraca, com toda a estrutura.
No dia seguinte viajamos o dia inteiro rumo Itanhaem. Passamos em Santos pra visitar a Paula e ver como ela estava. Também fomos em Praia Grande rever uma grande amiga. Em Itanhaem, a ideia era rever meus primos e acampar na chácara deles, mas com tanta chuva, não era possível acampar. Ficamos na área de lazer da chácara, dormindo nas redes. Também com toda a estrutura de chuveiro, cozinha e wifi, decidimos ficar um dia a mais.
E então, por mais um dia, viajamos sem parada até Joinvile, onde nos hospedamos na casa de um conhecido da Aline. Uma casa ainda sem móveis, em um lugar um tanto inóspito, com mato alto e estrutura mínima, mas estava ótimo.
Meu dinheiro havia acabado. Tinha dois trabalhos pra receber, então Aline me emprestou para abastecer o carro e quando eu recebesse, eu lhe pagaria.
Parece que as energias trazem coisas boas e ruins de acordo com a sintonia que fazemos, e no dia seguinte, como se não bastasse estar sem dinheiro, me vem um email de meu advogado, sobre a cobrança da prefeitura de Ribeirão Preto sobre minha dívida de IPTU. Junto ao wifi, também chegavam mensagens rotineiras de cobrança de outras dívidas pra me tirar a paz.
Ainda tem chão pra chegar ao nosso destino no Sul. Fizemos alguns contatos, inclusive eu fiz contato com clientes e pessoas que poderiam achar alguma solução: E se eu fizesse um empréstimo pra pagar todas as minhas dividas, e ficasse com uma única divida parcelada que me permitisse pagar mensalmente?
Veremos. Entregamos. Seguimos…
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