Na real, eu não sei de nada! Só sei que o tempo é mesmo relativo. Só passou uma semana do último texto? Sério? Sim… Só uma semana e já estou anos luz de onde estava.
Eu não sei o que aconteceu mas foi tudo muito rápido.
Eu não estava muito feliz por lá. Até mesmo por estar perdido em meus propósitos. Tudo bem que já tenho ciência que o propósito nunca é consciente, mas temos que criar um propósito pra nos mover no mundo real, naquele que a gente percebe.
O meu propósito criado em Iguape era reeducar os cachorros da anfitriã. A pedido dela, queria que fossem mais sociáveis com outros animais. Dois deles, eu consegui. O macho e sua irmã estavam de boa com Samanta. Bom, a irmã nem tanto, mas o macho protegia a Sam e eles três até brincavam de vez em quando.
A terceira, mais velha, era impiedosa. Samanta não podia se mexer perto dela que ela ia pra cima, e com a liberdade que me foi concedida, eu a repreendia, falava duro, expulsava. Mas a anfitriã se perdia um pouco na voz e acabava cometendo o erro da voz mansa (que aos cães é sentida como insegurança da dona ou recompensa – carinho).
Então após um dos esporros dados, eu tive dó e fui fazer um agrado, já que ela estava quietinha, deitada no canto, e para minha surpresa, ganhei uma bela mordida. Funda e dolorida, o sangue começou a brotar de minha mão, formando uma poça na palma da mão, virada pra cima. Não tive reação, fiquei em silêncio, esperando que alguém reagisse. Não houve reação além de desculpas…
A partir daquele momento, tendo dado as instruções a anfitriã de como agir com os cachorros, eu deixei de agir e me retrai. Então, a partir dali, nenhum propósito consciente existia e eu comecei a ficar incomodado. Mas estava tudo bem. Eu trazia para mim a responsabilidade do incômodo e me centrava pra manter a minha boa frequência.
Eu acredito que nós somos responsáveis por tudo o que nos acontece. Sempre! Não há acontecimento nenhum que possa ser terceirizado. Nem a outro, nem ao destino, nem a raça de um cão, a vibração, ao clima. Nada! Somos completamente responsáveis pelo que nos acontece. Pelo menos devemos nos por como responsáveis.
Mas tava bom. Houve passeios, conversas, debates acalorados seguidos de agradecimento pelas lições providas. Houve reflexões e festa surpresa. A chuva deu trégua, houve um breve céu estrelado e sessões de cinema.
Houve silêncio no escuro, cachorros dormindo tranquilo enquanto assistíamos um filme.
De repente, do nada, sem termos conseguido ver o que aconteceu, começou a gritaria. Samanta gritava e chorava entre rosnados e latidos. Os três cães em ação combinada atacaram ela. Um verdadeiro filme de terror para mim.
Não pensei. Voei sobre a Sam em formação de escudo, movendo o braço para todos os lados para golpear qualquer ser que chegasse perto. As vezes abria a mão pra agarrar com violência os cães e os arremeçar para longe dela. Estávamos embaixo de uma mesa de madeira, e os cães driblavam sua dona pra voltar a atacar, até que conseguimos apartar a todos.
Samanta, mesmo que protegida e longe dos agressores, continuava gritando desesperada. Eu a abracei com força e falava próximo de seu ouvido para que se acalmasse. Enquanto a anfitriã levava os três cães pra fora, ela se acalmou enfim.
O curativo do ferimento da mordida em minha mão, estava encharcado, o ferimento voltou a sangrar pelos golpes que dei. Novamente não tive reação. Me coloquei em silêncio. Bebi um copo d’água, recebi um abraço e surpreendentemente Samanta começou a pular e rodar como costuma fazer quando fica feliz.
Ela ficou feliz e eu não entendi muito bem aquela reação pós trauma, mas não procurei entender. Só pronunciei a única ideia que me veio a mente: “não podemos mais ficar aqui”. A anfitriã concordou e me retirei com ela para meu quarto.
Me sentei no chão do quarto e ela deitou no meu colo, e então quando fui passar a mão em sua orelha, ela deu um chorinho e ao se levantar, revelou uma pequena mancha de sangue em minha calça. Havia quatro furos de mordida em sua orelha. Nada grave.
Tomei um banho e em seguida já peguei o celular pra achar um novo lugar pra ficar. Pesquisei em São Francisco do Sul, mandei mensagens para alguns lugares e fui dormir.
Eu não sei se o objetivo foi cumprido. Mas não me importava muito. Meu carro foi riscado, minha mão foi mordida e por mim estava tudo bem. Mas se Samanta não estava bem, eu me moveria sem medir esforços pra deixa-la melhor.
No dia seguinte viajamos o dia todo, 500km e no início da noite chegamos em nosso destino. Uma casinha muito confortável, limpinha e cheirosa. Com decoração sofisticada e acessórios modernos. Fechei a semana toda e cá estou, colocando a cabeça e os trabalhos em dia.
A minha condição é estranha. Eu não sinto nada. Eu estou em silêncio. E quando perguntado sobre ‘o que almejo‘, eu não achei respostas. Percebi que não almejo nada e cogito ter atingido um estado de plenitude que nunca tive antes. Eu só tenho deixado seguir.
Estou aqui hoje, e domingo eu sigo pra algum lugar (talvez Florianópolis) e depois para outro que ainda nem sei. Não desejo nada, não sigo nada. Nenhum pássaro, nenhuma presença. Não espero por ninguém. Sigo meu caminho por onde o vento me levar, aquele mesmo vento de antes, que eu não penso mais a respeito, só sinto e vou. E quem quiser que venha junto.
Ficarão cicatrizes dessa passagem, mas eu me sinto bem, me sinto tranquilo e está tudo bem com a gente.
Quando um cervo que pasta tranquilamente em um deserto é atacado por um leão, ele foge. Pode haver momentos de desespero e instinto que duram minutos ou segundos. Se o cervo consegue fugir, no instante seguinte ele simplesmente volta a pastar tranquilamente, sem deixar que o episódio anterior influencie seu estado atual. A vida segue e o momento atual é a única coisa que importa.
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