Onde eu morava tinha muito escorpião. Mas eu não os vi muito nos 29 anos que morei lá. Porém, me lembro bem da primeira vez que encontrei um dentro de casa. Fiquei com muito medo. Não ousei chegar descalço perto dele. Como se ele pudesse me atacar com um movimento rápido, carateca, preferi evitar. Coloquei um tênis e com um cabo de vassoura o encurralei pra coloca-lo dentro de um video de palmitos, sem mata-lo. Queria leva-lo para a agência, para meus sócios verem.
Mesmo dentro do vidro, eu o temia. Quando cheguei na agência, meu sócio abriu o vidro, jogou ele sobre uma mesa, e ficou brincando com ele com um hashi, ridicularizando totalmente o poder que eu achava que aquele bichinho tinha. Então percebi que esse poder, fui em quem dei para o bichinho!
Saímos de Santa Rita no sábado. Eu estava mega descarregado e estressado, por que Santa Rita costuma fazer isso comigo. Fomos pra casa de uma ex-cliente que ficou super feliz quando disse que passaria pela cidade dela (que não direi qual para preserva-la). Ela se queixou de estar muito sozinha, com problemas, deprimida e fez questão que dormíssemos lá pois a gente iria alegra-la um pouco. Então aceitei o convite e fomos. O que eu não sabia era o quão mal ela estava. Com crises de ansiedade profunda, precisando urgente se tratar, até mesmo se internar. Bebendo, fumando, usando medicamentos de forma descontrolada. Foi bem pesado, mas bem providencial passarmos por lá. Conversamos muito, ela desabafou, chorou, e se encorajou a procurar ajuda de verdade.
No meio das conversas loucas dela, falando de ‘Estados Alterados de Consciência’ e xamanismo, citamos a Ayahuasca e ela nos surpreende “eu tenho aqui um pouco”. Vai até a cozinha e volta com uma garrafinha desses refrigerantes de 200ml, com o chá.
Tanto poder em uma garrafinha de plástico, como o escorpião no vidro de palmito. “Tanto poder?” comecei a me questionar. A Rainha da Selva presa numa garrafinha, nas mãos de alguém precisando tanto de ajuda e sem poder nenhum de auxiliá-la. É como você processa, como você prepara, como consagra, é o jeito que ministra tudo aquilo que lhe dá o poder. Então está explicado, nada tem poder até que nós damos a ele.
Saindo de lá, MG à GO, passei a encontrar escorpiões em vidros de palmitos. Eu estava dando muito poder a um lugar que não poderia me afetar assim. Mas estranhamente me afetava. Nada fluía. A paisagem árida e sem graça minava meu bom humor e ressecava meu coração tanto quanto meus lábios.
Miramos pra Caldas Novas e não conseguimos chegar. Ficamos num hotelzinho de beira de estrada em Corumbaíba. Chegamos no dia seguinte em Caldas e perdemos o dia todo procurando um camping. Nada dava certo. O único lugar que achamos era um terreno dentro da cidade. Até bem estruturado, mas diferente de tudo o que eu imaginei para aquele dia. Insatisfeito, irritado, sai novamente. Desconectei totalmente com ‘as meninas’ pra poder me conectar com minhas intuições.
Paramos num lugar que nos rendeu indicação para outro e enfim, achamos um bom lugar pra dormir. Um camping na beira de um dos rios quentes da região. Reconectamos a natureza e um ao outro. Tivemos uma ‘boa noite’ bem gostosa…
Ainda assim, eu não conseguia me estabilizar. Subimos pra Brasilia no dia seguinte e minha cabeça estava pesada, talvez por uma latinha de cerveja que bebi na noite anterior. A viagem é chata. Uma reta enorme, sem atrativos ou distrações. Só não foi pior pela boa companhia que rende sempre bons papos e alguns esporádicos cafunés na nuca, fazendo topetes engraçados em meu cabelo, bem sucedidos pra me rancar sorrisos.
Dormimos em Brasilia e seguimos para o destino final, Alto Paraíso de Goias. O lugar que eu queria vir a três anos, dessa vez me expelia de forma estranha. Como se aquele escorpião dentro do vidro estivesse prestes a ser desmascarado. Como se eu estivesse prestes a abrir o vidro, mas ele ficasse gritando e me ameaçando que eu não deveria faze-lo.
Achei uma casa lindinha pra ficar lá. A única com um bom preço que aceitava cachorros. Um espaço inteiro só pra mim e Samanta enquanto Aline fizesse seu curso. Paz, tranquilidade e wifi, pra colocar os trabalhos em dia. Muito bom pra ser verdade nesse momento de tantas coisas incertas. Sim, muito bom pra ser verdade. Havia um cachorro bravo lá que fez mais riscos em minha porta. A anfitriã esqueceu de dizer. Também esqueceu de dizer que embora o anúncio dizia ser um espaço inteiro só pra mim, eu teria apenas um quarto daquele espaço. Um bom quarto, devo dizer, mas minha intuição gritou ‘cancela essa poha’. Assim mesmo, com raiva, irritado de mais uma coisa dar errado.
Com um preju de mais de 200,00 não reembolsáveis, lá vou eu rumo a não sei onde, andar a esmo as 17h, sem saber onde vou dormir. Parei numa pousada qualquer que me chamou a atenção por ser “Pousada Atelier”, como a que eu fiquei em Iguape, e o Sr. Oto, pintor incrível e ser humano maravilhoso nos deu muita atenção e quis disponibilizar um quarto pra gente. Mas seu cunhado insistiu que não aceitavam pets. Então ele me indicou um camping e cá estou escrevendo esse texto dessa semana chata.
Cheguei sem tempo pra muitas conversas, mas o anfitrião me pareceu uma pessoa muito bacana. Armei a barraca e a dor de cabeça havia voltado, pesada. Não tive fome nem animo pra nada. Deitei sem ao menos tomar banho e adormeci, um sono constante mas leve, ao som de músicas xamânicas que vinham de longe ecoando nesse espaço aberto.
Tambores que ora me embriagavam e me traziam bem estar, ora me irritavam por estar tão alto em uma reserva natural. Eu pensava nos animais assustados com aquele som todo. Eu pensava que era um belo ritual, com pessoas elevando suas vibrações. Eu pensava de novo nos animais, e ficava puto com aquelas pessoas lindas, e fui dormindo e acordando assim, a noite toda, até a hora de acordar de fato.
Estou aqui. O vidro está aberto. O escorpião grita seus poderes tentando me impedir de enfiar a mão no vidro. “Que horas são?”, “São 11:11” diz uma amiga em um audio de 1:11.
“Kryon, por que me chama tanto? O que devo fazer agora?”
“Você está na chapada” diz Aline. “Ouça os sinais”.
Eu não sei pra onde ir, então vou.
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