Quando acordei em Cabeceiras, decidi ligar em uma pousada que havia marcado no mapa de minha rota até Trancoso. Me chamou a atenção aquela pousada pois o site era muito ultrapassado, mas as fotos da pousada eram muito bonitas. Dizem que sou muito bem articulado nas palavras, e conversei com a dona da pousada, contando quem eu era, quem era Samanta e dizendo que poderia arrumar o site deles em troca de alguns dias lá.
Era terça-feira, Itacarambi ficava a dois dias de viagem de onde estávamos, mas o tempo é relativo. Só poderíamos ficar até sexta na pousada, então, como sei voar, voei, e adiantei um dia. Viajamos o dia inteiro, por rodovias de terra (sim, isso existem no Norte de Minas Gerais) de areia fofa, pedras e buracos. Tenso, mantendo a velocidade para não atolar e atento para não estourar o carro nos buracos. Chegamos por lá logo após o sol se pôr.
Um pouco antes porém, eu o sentia se por sobre meu ombro esquerdo. Quando a pista, já asfaltada dava uma trégua, eu olhava rapidamente para trás e o via, o grande sol se despedindo de mim. Comecei a buscar um ponto na pista para fazer uma volta, correndo contra o tempo, pois ele não iria esperar. Tão logo vi uma entrada no acostamento, virei o carro e mirei para encara-lo frente a frente.
Porém, ao ver que eu lhe encararia, pra questionar o por que de tudo aquilo estar acontecendo, a grande estrela se acovardou. Tratou logo de se esconder atrás de uma nuvem comprida que riscava o horizonte largo de uma única montanha. Ela, que marcou dois ou três dias se despedindo de maneira tão mágica, parecia me trair. Mas eu não pensava em desistir. Esperei.
E de repente, começou a aparecer abaixo das nuvens. Enorme, como costuma ser aqui mais ao centro do país. E sua luz foi aumentando e ficando mais forte e mais alaranjada, conforme ia aquecendo meu peito que foi contraindo, contraindo até que explodiu.
Embalado por uma canção de Coldplay, eu também explodi, em lágrimas, num choro quase gestacional, incontido e intenso. Não havia emoção nenhuma. Não havia dor, nem vergonha, nem nada. Só chorei, sentindo aquele sol me inundando e transbordando em mim.
Em Itacarambi, fomos colocados no melhor quarto da pousada. Assustei ao abrir a porta. Era enorme, com uma decoração linda e muito perfumado. No banheiro, bem em frente ao box todo de vidro, um grande espelho que me encarava, tornando impossível me esconder. E por três dias que passei por ali, fui obrigado a me olhar enquanto tomava banho. Tanto tempo sem me olhar no espelho, e agora sou obrigado a me encarar, nu, sem filtros. Encarar meu corpo, com suas imperfeições etárias. Quão velho estou. Talvez necessite algum abdominais, algumas flexões ou reflexões para me aceitar.
Foram mais três dias de conforto e descanso, porém sem conhecer nenhuma das inúmeras grutas e cavernas do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, um lugar que eu queria tanto conhecer. Tanto chão, tantas distancias e se Alto do Paraíso não me interessou, Peruaçu interessava e parti frustrado na sexta feira.
Não só por não conhecer os lugares por onde passei, mas também por parecer que os propósitos de minha jornada sumiram. Mesmo tão ciente de que os verdadeiros propósitos são desconhecidos e/ou inconscientes, subitamente eu perdi a vontade de prosseguir. Sobretudo por que aquela estrela que iluminava minha jornada, se escondeu covardemente atrás de uma nuvem e deixou de me iluminar.
Eu sinto um breve calor, sinto sua presença pelos raios de luz que escapam no espaço. Sei que está lá, mas parece que partirei antes de vê-la novamente, mesmo por que, algumas coisas me exigem ação ainda que eu não saiba como agir.
Fiquei na dúvida se ficava mais uns dias em outra pousada no Parque do Peruaçu, fazendo mais alguns trabalhos em troca de hospedagem e um guia que me levaria às cavernas. O trato não foi fluido, e quando é assim, algo me diz pra seguir. Viajei até onde deu, parei pra dormir em Montes Claros. Aproveitei pra ligar para meus pais. Eles tem problemas por lá que me deixam preocupado e atento. Ambos disseram estar tudo bem, pra eu não me preocupar. Mas não tem jeito…
No dia seguinte, segui para outro lugar que eu desejava muito conhecer. Ouvi falar de Grão Mogol em um programa de turismo uma vez a muito tempo atrás. Foi por causa de Grão Mogol que eu comecei a fazer uma listinha de “lugares a se conhecer”, junto a outras duas listinhas que eu já tinha “filmes para se ver”, “livros para se ler”.
A estrada e a paisagem começavam a tomar as formas que eu gosto, com mais curvas e relevos. Haviam momentos que me pareciam estar andando numa trilha de asfalto sobre os céus, sem nada ao meu lado, até que em Grão Mogol, a paisagem linda se revelou, sobre pedras enormes e inclinadas.
Fiquei em uma pousada que é também um parque, com trilhas, mirantes, cachoeiras e piscinas naturais, sem internet nem sinal de celular, mas com um céu maravilhoso de onde choviam estrelas cadentes a todo instante. Muitas trilhas, água gelada e conversas com o sol. No dia seguinte visitei o famoso presépio Mãos de Deus, na cidade histórica. Um lugar lindo, mágico e cheio de espiritualidade que me levou para os braços de meus pais. Abracei minha mãe na capela com a imagem de Nossa Senhora, e reencontrei meu pai mais acima, na estátua de São Francisco de Assis. Rezei do meu jeito, pedindo ao Universo que os proteja sempre, e após segurar por alguns minutos, não me contive e chorei.
Sai de tarde para mais uma etapa, e percorri aproximadamente 300km até uma nova parada, um bom hotel na beira da estrada, com quarto para fora e um bom gramado na frente. Talvez o mais adequado de toda a viagem para a Sam.
E no dia seguinte, ao acordar e tomar um bom café da manhã, decidi novamente cometer a insanidade de adiantar etapas. Seriam 10 horas de viagem até Trancoso. Um sacrifício que me faria economizar com mais uma estadia, pra pegar logo um quarto com camas macias e um bom espaço para a Sam descansar, findando de vez essa etapa.
Para chegar, porém tive alguns perrengues bons que me fazem perceber que o Universo conspira ao meu favor. Se não tivesse escolhido vir direto, talvez me faltaria dinheiro pra trocar a bateria do meu carro que arriou no meio do caminho. No meio do caminho, leia se em uma bela sombra, num estacionamento grande de um supermercado, ao lado de uma auto-elétrica.
Tudo certo pra partir, mas o GPS deu uma piradinha por conta talvez da troca da bateria. Isso resultou numa perda de configuração que me jogou num atalho, já de noite, numa mata muito fechada, com muito barro, descidas e subidas com curvas fechadas, buracos e sons de animais na floresta. Muita tensão por quase 8km até que encontrei uma luz de poste, já em Trancoso, próximo a pousada onde as coisas seriam decididas. Talvez…
(Talvez eu tenha muito mais pra escrever. Dilemas, divagações, pensamentos, lições. Mas eu preciso respirar, preciso dormir, preciso de um pouco de reflexão. Então, fica pra próxima.)
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