A função de se reclamar ou criticar algo é inerente a mim. Sou bem reclamão, turrão as vezes. Talvez venha de família, comportamento aprendido com meus pais. Minha mãe tem o hábito de reclamar, meu pai tem o hábito de tentar consertar o mundo de acordo com sua própria ótica. Venho cuidando disso nas últimas semanas. Tentando não fazer isso, esvaziar pra aceitar. Mas não é tarefa fácil.
Viemos para Coroa Vermelha em Santa Cruz Cabrália, fazer um trabalho voluntário em uma pousada. Cheguei vazio, pronto pra receber os insumos culturais e energéticos do lugar. Era 2h da manhã e eu estava acordado, deitado numa rede lá fora, recebendo um som alto de um tecno-brega insuportável. Um não, eram três ou quatro. Por que a cultura aqui é ouvir música alta e todo mundo ouve música alta, mesmo que a pessoa ao seu lado esteja ouvindo uma música alta, você também deve ouvir a sua mais alta, individualmente.
Eu ouvia umas quatro músicas diferentes, sem contar as conversas, gritadas, por que era necessário gritar pra conversar naquela poluição sonora. Gargalhadas bêbadas de mulheres estridentes. Eu tentei. Cheguei vazio, mas me enchi rapidinho! Era 2h30 quando o último som parou e eu pude enfim ir para o quarto dormir.
Com quem eu reclamo? Tem um número de atendimento? Tem sim, alguém pensou. Vou falar com ela. Mas isso é outra história. Aqui não tinha com quem reclamar, e mesmo que tivesse, iria adiantar? Iria servir pra algo? Eles iriam baixar o som ou eu seria ressarcido de meu sono? Será que os pelos de Samanta sumirão do chão do quarto se alguém reclamar deles? Só desgaste desnecessário. Critiquei quem criticou os pelos da Samanta, como se eu não soubesse, como se eu não tivesse cuidado dentro de meu limite. Eu aceito que reclamem, e me deixe arrumar, me deixa eu pagar um lençol novo pois esse está cheio de pelos?… “Não. Só falei por falar”.
Então tá. Eu não quero ser alguém como você e tentarei melhorar. E parei de reclamar do banheiro, do colchão, dos pernilongos e nas quinhentas músicas tocando de madrugada. Deixa ser, deixa ir, deixa me julgar. Não estou mais vazio, não ficarei vazio. Nem ficarei quieto, mas vou me atentar ao que realmente vale a pena criticar ou reclamar.
Enfim, não dormimos bem nas noites seguintes, mas tocamos a vida. Acordávamos e nos apoiávamos um ao outro, num bom café da manhã, num beijo gostoso, numa sessão de cócegas zumbis no pescoço com risadas divertidas. E enquanto a menina ao lado assiste videos no youtube pra descobrir como consertar seu celular quebrado, pra não ter que pagar um técnico, a gente aprimora uns planos antigos pra tentar juntar uma turma boa e todo mundo ganhar. A gente quer fazer pra gente, mas pra ajudar os outros também. Mas algumas pessoas só pensam em si mesmas e buscam uma auto-suficiência que mata todos os outros ao redor.
Ta tudo bem. Vamos passear pra desestressar. A gente vai ficar por aqui mais uma semana pois os anfitriões são muito legais. Muito mesmo. Gostamos muito deles e eles parecem ter gostado da gente. Isso é bom. Achamos lugares legais, nos divertimos, tiramos muitas fotos lindas (veja abaixo).
Dai a menina veio perguntar que câmera comprar, pois ela viu uns videos no youtube de como ser uma viajante influencer de instagram e ela vai fazer edição de vídeos e fotografias para os anfitriões. Ela ainda não conseguiu consertar o celular pelas aulas online, mas decidiu que será fotógrafa. Está vendo uns outros videos no youtube pra se profissionalizar, e vai comprar uma câmera. E como eu estudei fotografia por 25 anos e tenho um pouquinho de experiência, talvez eu saiba dizer pra ela qual câmera comprar. Mas não fui com a cara dela e disse pra ela procurar algo melhor pra fazer e não banalizar minha profissão.
Mentira, eu não disse isso. Eu tive vontade de dizer, mas não disse. Preferi transferi-la para o setor responsável. E com um certo sarcasmo e ironia, eu só disse “conversa com a Aline. Ela que entende de redes sociais”… Depois eu dou uns beijos zumbis pra ela rir e recompensar. Fui!
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