De repente eu me dei conta que havia tanto pra fazer. Eu tinha que terminar de escrever meu livro, tinha que fazer as alterações do logotipo de um cliente importante. Também tinha que fazer uma página na internet da pousada onde passamos a semana, como parte do pagamento de nossa estadia.
Nós passamos a semana lá, naquela pousada na beira da praia Formosa, ao lado da praia onde tinha os chalés, em Aracruz. Se o tal vulcão entrasse em erupção, todos nós estaríamos mortos com a tsunami, pois era muito na beira do mar. Menos de 30 metros de faixa de areia. Um lugar interessante, presente de um finado pai ao filho, que cuidava com um pouco de displicência, mas com muito amor. Um amor estranho, diga-se de passagem.
De nada adiantaria tal amor e cuidado se o vulcão entrasse em erupção. Acabaria com tudo, e eu tinha tanto a fazer ainda. Pensei bastante sobre isso durante toda a semana que estivemos lá. Não fiz nada além de amizades e algumas frações de outros trabalhos.
Eu acho que é impossível fazer tudo o que eu tenho pra fazer antes da hora de partir, então nem tento. Prefiro mesmo fazer amizades. Prefiro andar sem rumo a ter que preencher check-points pré determinados, por que eu acho mesmo que não vai dar tempo.
A meu pai, ao meus filhos, ao Espirito Santo, tanta coisa a fazer, tantos lugares a se visitar. Esse tal de Espirito Santo é lindo mesmo. Eu nem imaginava. Saímos do litoral e subimos pelas montanhas das santas. Santa Tereza, Santa Leopoldina. Antes porém, passamos em um lugar que tem muito mais a ver com minhas fés.
Nem é questão de fé. É tentativa apenas. Ao Buda não se deve fé nenhuma. E lá estávamos nós aos pés da terceira maior estátua de Buda do mundo, no município de Ibiraçu. E ao Buda não se pede, não se ora, nem agradece nada e é mágico justamente por causa disso. Por que quando só se está, simplesmente em estar, se encontra a paz. Muita paz.
Em alguns momentos porém, eu acho que me ponho muito em risco, e devo lembrar que tenho muito a perder. Como ouso por meu carro em estradas íngremes, beirando precipícios, ou atravessar pontilhões de centenas de metros de altura, se equilibrando por dormentes podres de uma ferrovia abandonada, com minha cachorra presa em um casebre qualquer no meio do nada. Como ouso sair com elas sem lugar pra chegar, só sair, sem meta nem destino ou planejamento?
Mas eu confio no poder do Universo, e faço isso por que eu acho que não tenho tempo pra fazer diferente. Se rolasse a erupção daquele vulcão, dizem que teríamos seis horas até o tsunami. Ou se um meteoro surpreendesse os astrónomos em direção a terra teríamos talvez um pouco mais de tempo pra rezar.
Se um carro desses que cruzamos por ai ultrapassar num local proibido e der de cara com a gente em uma curva, teremos o que? alguns segundos pra pensar e agradecer? Ou se eu pisar num gramado molhado e cair com o queixo no chão? Posso machucar a coxa, ralar a mão ou ter um derrame. Teria tempo de esperar a dona da próxima pousada acordar de sua siesta para fazermos uma boa proposta de trabalho para nossa próxima estadia? Cinco segundos, um minuto, meia hora…
Eu não acredito que eu tenha todo esse tempo, não acredito em tempo nenhum. Então nem perco mais tempo com nada. Eu só quero viver, sem pensar em ser ou ir ou ficar. Só quero estar, com a paz que me invadiu lá naquele gramado, com aquele Buda enorme de concreto inanimado, inócuo, mas cheio de poder que demos a ele. Ou não demos nada. Naquele momento, nós só nos lembramos de apenas estar. Mesmo com o corpo doendo, as mãos sangrando, eu só queria estar.
Eu gostei tanto daqui, mas não tenho tempo de ver tudo. Já estamos cruzando a divisa e indo pra Minas. Talvez não de tempo de reencontrar todo mundo. Mas relaxa, a gente volta algum dia. Com meu pai, meus filhos, ao Espírito Santo. Amém.
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