A angústia é ótima pra se criar. São os momentos de angustia e perturbações que nos fazem mais criativos. Eu passei 2 semanas sem escrever nada por aqui, e hoje cai uma forte chuva.
Há duas semanas atrás, era fim de semana de carnaval. A cidade estava cheia e o hostel também, e a gente, a frente de uma recepção, temos que ter bastante senso de empatia, simpatia e até um pouco de telepatia.
O ser humano, no geral, é um bichinho bem estranho, e o senso de empatia é traiçoeiro. Nem sempre você consegue ser realmente empático. De repente você pensa compreender o por que de aquela pessoa estar rosnando e mordendo os outros, mas não é nada daquilo. Eu entendo é minha cachorra.
E então aparece alguém, de óculos escuros e máscara preta, com pouca simpatia, querendo um quarto, reclamando da toalha, se queixando disso e daquilo. E você simplesmente faz seu trabalho e diz ‘boa noite, durma bem’ mas está mandando a merda mentalmente. Vou dormir também.
E no dia seguinte, a mesma pessoa muito simpática me pede desculpas, se justifica que estava cansada e diz “você deve ter me mandado a merda mentalmente ontem, né!?”. Imagina, jamais faria isso (não em voz alta) pois sou da paz e quero paz…
E outro cheio de carisma, bonzinho, me chamando de ‘claudinho’ sem nunca ter me visto na vida. Argiloso, tentando tirar vantagens sobre minha nobre personalidade de paz. Esperta é a Samanta que faz cara de coitada pra ganhar biscoitos.
E cada um é cada um, cada pessoa com seus problemas, suas dúvidas, dilemas e pensamentos, e o melhor a fazer é simplesmente parar de pensar e tomar sua posição de total insignificância nesse planetinha azul, deixando que as pessoas pensem que elas são mais importantes.
Em uma viagem que fizemos num dia de folga, fomos em um lugar com uma turma de pessoas estranhas, atravessamos uma pinguela perigosa, sobre um rio violento, segurando a Samanta como se fizesse diferença (se ela caísse, eu não conseguiria mante-la), apenas confiando que ela não cairia ali, todos andaram na frente, sem pensar ou lembrar de mim, e eu pensava comigo “onde eles já estarão? E se algo acontecer e eu precisar deles”. Pensava em quanto tempo eles levariam pra sentir minha falta e voltar, onde o rio já teria levado a mim e Samanta quando eles se dessem conta de nossa ausência? Eu pensava nisso e eles caminhavam lá na frente, sem olhar pra trás.
Mas atravessamos sem problemas, eu e Samanta, independentes e auto suficientes, como sempre fomos, e eu percebi que de repente, essa insignificância humana em alguns momentos, é realmente benéfica. Pois eu não teria ajuda, mas por estar invisível, não precisaria alterar minha vibe ou minha condição atual só pra agradar alguém ou fazer parte daquela turma. Eu atravessei e pude ficar em meu silêncio na maior parte do tempo. Momentos de paz…
E assim foi, por duas semanas de paz de espírito. Apenas cuidando e curtindo. Vendo as pessoas se esbarrando, aglomeradas, espirrando seus fluídos corporais uns nos outros em um grande ritual de compartilhamento de alegrias e dores.
O resultado não poderia ser outro se não todos vibrando na mesma emoção de medo e incertezas. E se os meus medos e incertezas não têm a ver com estar contaminado por esse vírus, por que andei sozinho, sem me misturar, ainda assim tenho medos e incertezas que tem a ver com outros contágios, também contraídos por alegrias e dores. E foram tantas alegrias e dores, que me contaminei.
E esses 15 dias voaram, tanto que eu nem consegui escrever nada por aqui. Por que eu nem queria pensar, só queria sentir, vivenciar o que tinha que ser vivenciado, como quando atravessei a pinguela. Segurando Samanta sem me preocupar com o que viria, mesmo por que, ninguém sabia ao certo o que viria e eu não tinha controle nenhum.
O que eu sei é que hoje é um dia chuvoso e de saudades. E a gente atravessou essa pinguela de 15 dias. Deu tudo certo por que somos fortes. Somos fortes por que houveram dores pra nos fazer fortes e alegrias pra nos fazer seguir. Algumas alegrias e dores são realmente necessárias pra nos tornar quem somos, e é assim que tem que ser.
Só sei que tenho que deixar ir agora. E não quero nem pensar mais nisso, mas tá foda pois estou doente, contaminado com esses sintomas estranhos de pensamentos. Veja só, logo eu, ser de paz, quase um Budha zen, me pego pensando toda hora, penso até sobre o sentimento que me causa o vento quando encontra minha alma.
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