Comece por Verdades a Lua que Míngua
Eu não conseguia me mexer, meus olhos não conseguiam se abrir, mas eu sentia a luz forte em minhas pálpebras. A lua cheia havia chegado e eu continuava deitado no chão úmido daquele bosque. Meu corpo estava preguiçoso, eu não conseguia acordar.
Percebia vultos se aproximando e se afastando de mim, ouvia sussurros, me sentia observado e abandonado. Pude entender alguém dizendo “deixa ele dormir mais um pouco” e tive a impressão de ter sido coberto. Ficou tudo escuro novamente. E então sonhei…
As três mulheres distintas estavam em pé diante e abaixo de mim, como se eu estivesse em um altar, elas me olhavam segurando suas linhas ligadas ao meu corpo mas não se mexiam e eu percebi que não se mexeriam. Percebi que eu precisaria fazer alguma coisa e então, com um movimento leve, arrebentei a linha de uma das mulheres que se desintegrou no ar imediatamente. As outras duas então começaram a brilhar um brilho intenso e eu quase não podia olhar direto para elas. A luz das duas era tão forte, que para mim se tornou um único brilho e eu não conseguia mais enxergar nada. Eu estava envolvido por aquela luz única.
Retomei a consciência quando algo tocou meus cabelos, mas ainda não conseguia abrir meus olhos. Novamente escutei sussuros mas não conseguia entender o que conversavam. Apenas escutei algumas palavras como “hipocrisia”, “inconstância”, “dissimulação”, “sofrimento”, “amor” e outras mais, soltas, sem entender o contexto do qual eram ditas. E então me senti mover, como se estivesse sendo pego no colo, adormeci novamente e o sonho retomou:
O brilho havia diminuído sua intensidade. Eu conseguia novamente perceber que eram dois corpos brilhando e cada um se movia em lado oposto, girando ao meu redor. Não eram mais duas mulheres, eram apenas luzes, com vibrações opostas que invertiam seus pólos continuamente fazendo mudar suas posições, como em um motor. E rodavam ao meu redor, me envolvendo e me deixando tonto…
Ouvi grilos e o som de um pássaro estranho, e então acordei novamente. Desta vez, com algum esforço, consegui abrir meus olhos, que forçavam se fechar, incomodados pela luz intensa da lua cheia no horizonte, até que lentamente me acostumei. Pupilas retraídas e eu podia enxergar tudo ao meu redor.
Meus cabelos despenteados, eu completamente nu e ninguém por perto. Não sabia quanto tempo havia dormido desde a última lua, nem aonde estava. Não via mais mulher, nem anjos, nem luzes além da lua. Mas eu sentia que a resposta que tanto buscava havia sido dita enquanto eu dormia. E embora estivesse sozinho, a brisa que lambia meu corpo era agradável e eu me sentia bem assim.
Eu não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que uma das três mulheres havia sido destruida pelas outras duas e essas outras duas, embora não visse, sentia que estavam por ali. Atrás das árvores, escondidas nas sombras. Não seguravam mais linha nenhuma, mas continuavam me acompanhando e eu sabia que a brisa que me agradava, era produzida pelos movimentos de suas asas.
O que eu consigo discernir das respostas que me foram dadas, é que talvez eu nunca tenha como eu quero nenhuma dessas duas mulheres que me seguem. Não conseguirei jamais dar a elas o que eu desejo dar a uma mulher, por que a vida delas as transformou no que elas são hoje, seres intensos, opostos, calor e frio, norte e sul, ordem e caos. Seres intocáveis, indecifráveis, sublimes.
Eu não terei como eu quero nenhuma dessas duas mulheres homômimas, mas de certa forma eu já as tenho como devo tê-las, me seguindo em silêncio, cruzando minha frente e se tornando visíveis ocasionalmente. Me trazendo um sorriso no rosto, como de quem vê uma estrela cadente, rapidamente… E me mantenho sorrindo por mais algum tempo, olhando o céu vazio depois que elas se vão.
Talvez eu esperasse uma resposta menos evasiva, mais confortante. Esperasse que alguém me dissesse com todas as letras que me ama, que me quer, que tem coragem o suficiente de aparecer diante de mim e caminhar comigo pra onde eu quiser ir. Mas isso não vai acontecer. E é assim que tem que ser…
Eu tenho minha jornada a seguir. Fui eu quem planifiquei isso e se prestar mais atenção, vou ver que há muitos outros seres além dessas duas mulheres distintas me seguindo pelas sombras, protegendo os céus, abrindo trilhas a minha frente para eu passar. E é assim eu sigo. É só assim que eu consigo…
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2 Comments
Adorei Ca! Mesmo! Talvez é assim mesmo que tem q ser não é! bjao
[…] parte em Verdades a Lua Cheia) […]