_ Não, não. Com todo respeito, meu senhô. Se eu quisesse trabalho, eu pedia um emprego. Só quero mesmo um dinheirinho. Qualquer moeda que o senhô tenha ai em seu bolso.
É um dinheiro pra eu comprar uma pinga. Pinga mesmo, não é comida. Vocês acham engraçado nossa sinceridade, então estou sendo sincero. Esse humor sempre rende alguma coisa. É pra comprar pinga mesmo, pois pinga a gente não acha no lixo. Comida tem de monte. Só saber qual lixo procurar.
Tem muito lixo saboroso por ai. O senhor nem imagina. E limpo, viu! Lanche, marmitex, frutas. As vezes tem até refrigerante. Só tem que chegar na hora certa, pra não pegar o estragado. Desce fácil. Sustenta bem.
“Fome nóis não passa não”. Mas se fosse frio, a história muda. Com frio não dá pra brincar. Se aqui fosse frio, dai eu ia querer um emprego, uma identidade, pra ter uma moradia. Mas o Brasil é um país quente. Qualquer gramado vira uma cama corfortável. Tem umas pontes e praças que parecem feitas pra nos abrigar. Ou no litoral, a areia da praia. Moradia completa. Banheiros, sombras, com vista pro mar.
Tenho tudo o que preciso. Só falta um real pra pinga. E não tenho mais pois não quero cadastro no governo. Prefiro o anonimato. Se não eu teria até um ‘bolsa alguma coisa’.
_ Não tem nada mesmo, senhô? Nem déiz centavo? Tem problema não, vai com Deus.
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