Pensamentos e ações práticas por aqui. Só por hoje, como dizem os adictos em tratamento, eu não quero poesia. Tento fazer com que isso se torne comportamento padrão por enquanto, pois acordei sozinho.
Há um sentimento de impotência sobre tudo o que acontece em solo natal. E ainda assim, há uma consciência tranquila e pensamento de insistência pra me convencer de que eu não posso fazer mais nada além do que faço.
Há fogo em galhos verdes queimando na frente da casa de minha mãe. Não tem chama, não limpa, não estereliza, não altera nada, não queima de fato, mas faz fumaça. Como uma maldade camuflada em boa ação, mas que a mim percebo ser apenas pirraça. Muita fumaça, que invade a casa e se mistura com a fumaça do cigarro de uma senhora impaciente mas passiva àquela agressão.
Eu não quero e não vou me indispor. Fico em silêncio, me mexo, vou pro quarto, volto pra sala, saio de carro, vou andar na praça, tomo sorvete, volto, a fumaça continua. Já se passaram 4 horas e procuro um lugar onde a fumaça não chegue. Impossível. Ela ocupa todos os cômodos, cheiro forte, dor de cabeça. Acendo um incenso atoa. Há uma neblina dentro de toda a casa.
Pra continuar em silêncio, procuro desabafar com alguém que não está ali, não há ninguém pra ouvir, ou talvez a fumaça já tenha tomado conta de meu ser e eu não consigo me exprimir. “Reclamar não vai apagar o fogo”, “Re-clamar” (?)… Isso não faz sentido, não é essa a etimologia da palavra. Isso é invenção de livro de auto-ajuda, e só por hoje, eu não quero poesia!
Enfim, eu sinto que realmente acordei sozinho.
Um dia dessa semana 11, eu fui no sítio pra avaliar como estava minha antiga morada de 2020, onde passei todo o período da primeira fase da pandemia. Os quinze minutos que passei lá, notei que os morcegos voltaram. Muito barulho no forro. Mas tudo bem, talvez eles só vivam, sem intenções ruins e seu barulho é menos incômodo do que fumaça.
Desci pra cachoeira, para matar a saudade de tudo por lá e encontrei meu pai. Todo sujo de barro, com uma extensa vara de bambu que usava pra drenar um canal de água do açude. Me cumprimentou com um beijo na testa e um sorriso de quem estava satisfeito com suas artes. Tipo criança brincando no barro mesmo.
_ “vamos subir, tomar alguma coisa” _ disse ele. Mas quando pois os pés nos primeiros degraus que saem da cachoeira, parou. Se apoiou na vara de bambu e retomou a subida lentamente, diferente, usando o bambu como apoio, cajado… Bengala mesmo, devo admitir. A única coisa que eu fiz foi segurar a Samanta, pra esperar ele subir (pois ela sobe escadas muito rápido e desengonçada, e poderia ‘pedir licença’ pra ele de forma meio agressiva).
Em minha mente, vê-lo subir aqueles degraus demorou uma eternidade. Como se cada degrau representasse anos de sua existência. E me senti impotente novamente. Meu pai engana a todos com sua jovialidade, senso de humor e vontade de trabalhar. Mas eu enxergava seu cansaço e eu não tinha muito o que fazer.
Por alguns dias, fiquei fuçando em coisas do passado, pra tentar me reconstruir ainda mais, detectar traços ou genéticas que me permitisse renegociar algo. Comecei a ler um livro sobre constelação sistêmica e achei até bem interessante. Mas em determinado momento, eu perdi a fé de que resolveria meus problemas de agora, detectar alguma coisa no passado.
Eu me lembrei de outro livro que li uma vez (“O Poder do Agora”) que nos convidava a eliminar todo o passado e futuro de nossas vidas. Esse livro mudou minha vida e talvez provocou meu movimento ao nomadismo, com coragem e confiança. E por algum desejo de realização externa a minha pessoa, eu estava novamente fuçando o passado.
(….)
Eu deletei todo um parágrafo que estava aqui pois ‘só por hoje’ eu decidi não pensar mais nisso (ou fingir que não penso). Decidi resolver as questões práticas que vim resolver. Olhar para meu presente. Ter ciência de minhas dores do passado, mas deixa-las ir. Pensar em mim no agora, ter meu próprio sabor e olhar para o céu sem procurar nada, só pra ver o céu em si.
Fui pra Ribeirão em cima da hora, resolver o problema de meu óculos que não me serve mais pra nada. O alto grau de contaminação pelo coronavírus por lá, me fez ter atenção plena em cada gesto, em cada toque, cada respiração. A cada movimento ou presença de risco, minhas mãos se sentiam sujas e eu buscava esterelizar as possibilidades.
De tanto fazer isso, algo que não queria começou a acontecer. A minha atenção plena começou a abranger outras áreas e preocupações e tentar estereliza-las também. Enquanto estava na estrada, voltando pra Santa Rita, sozinho (inclusive sem a Samanta), em silêncio, sem música nem cantos, nem nada, uma frase me vinha na cabeça insistentemente como aqueles movimento ou presença de risco de vírus: ‘foi só uma ficada’, e devia ser, como tantas outras que passaram em minha vida antes disso. Minha mente queria acreditar e forçava essa aceitar essa ideia.
Reduz a velocidade pra passar na cobrança automática do pedágio. Muda de assunto, segue seu caminho. Veja o céu que lindo, com esses últimos raios de sol do dia riscando o horizonte com seus nuances e toda a magia que a gente atribui a esse mero efeito de física óptica. Não tem nada demais nisso, a gente que inventa e pensa ser mágica. Foi lindo mas é só isso. Só um por do sol.
Tento ser frio e insensível. Ora por autodefesa, ora pensando num jogo, onde se deseja conquistar um objetivo. E então alguém vem e me pergunta se ‘foi boa a viagem?’.
Eu fico com raiva de estar aqui. Não ‘foi’! Não é passado! A viagem não acabou. A viagem é minha vida, eu não sou daqui. Se estou aqui, ainda estou viajando. Eu não sou de nenhum lugar, então ainda estou viajando, por todo o tempo.
Me irrita ser colocado em um ponto fixo e talvez assim eu possa entender por que ficar um tempo a mais, pode ser tão desconfortável em outros cenários. Tento entender enfim o ‘foi só uma ficada’, ‘uma breve ficada’, por que tem gente como eu que ainda quer continuar viajando.
Eu acordei sozinho.
Com falta de ar.
Pensei que era covid, mas era só saudades.
Suspirei.
Eu não quero só ficar. Quero muito ir embora!
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