O velório será realizado a partir das 10 horas, o enterro será as 16h, de um dia quente e ensolarado, que você tem mil e uma coisas pra fazer, mas nesse dia você poderá deixa tudo de lado, tudo pra depois, para ir se despedir de seu querido amigo, irmão ou parente distante.
E é bom lembrar que é parente distante pois você não quis estar perto, pois sempre teve essas mesmas mil e uma coisas pra fazer, que sempre temos, que sempre usamos como desculpas pra deixar outras coisas pra depois, pra ser distante.
É preciso morrer pra perceber o que é de fato importante. E hoje eu descanso em paz, pois em um dia qualquer, que não me lembro bem a data ou a hora, eu morri. Ninguém estava perto, e eu morri pra tudo o que não interessa, morri pra essas mil e uma coisas que me fazia adiar a visita a pessoas queridas ou parentes distantes. A mim, pelo menos, deixaram de ser distantes então. Eu descansei em paz, no balanço de uma rede, ouvindo o som dos passarinhos ao meu redor e percebi o que era de verdade.
Resolvi então mandar alguns “ois” , pra algumas pessoas distantes, só pra saber como estavam, pra mostrar que eu me importava, e pra garantir e demonstrar que eles são mais importantes do que tudo, que eu penso neles, e que eu aceitaria um convite para vê-los, mesmo que não fosse um velório.
É preciso morrer pra perceber que algumas coisas não são importantes, que bens não apagam calúnias, e vingança não mata a fome nem paga o conserto de seu carro.
É preciso morrer pra perceber que brigar por reconhecimento não te faz reconhecido, nem lhe traz felicidade. A felicidade vem quando você próprio se reconhece, se encontra em sua retidão e descansar em paz em seu travesseiro.
É preciso morrer pra perceber que a terra fica, que a árvore continua crescendo mesmo que você não esteja por perto, que as formigas continuarão trilhando milhas e milhas de caminhos, carregando as folhas das flores que você plantou, e que nascerão em outro lugar qualquer, pois alguns passaros levarão as sementes. O mundo continuará existindo e rodando sem a sua presença. É preciso morrer pra perceber.
Quão ínfima é nossa passagem, nossa existência, nossa presença espacial nesse grande planeta. Sou distante pois estou vivo, e não é estranho que você sequer saiba onde eu, ente tão querido, estou nesse momento em que escrevo essas palavras?
Não é estranho pensar que no início, com um nó na garganta você começou a planejar como faria pra estar perto de mim, em deixar todas as mil e uma coisas pra depois, só pra poder se despedir ou dar um abraço em quem ficou? Num velório???
É preciso morrer pra perceber algumas coisas, mas é preciso estar bem vivo pra saber quem é de fato importante, quem se importa, quem ama, quem compartilha de seus propósitos e ideais.
É preciso estar vivo também pra saber que está tudo bem assim, que nada disso importa, que você não precisa fazer nenhum esforço pra cancelar nenhum compromisso. Descance em paz, toca sua vida, pois um dia se aprende e é em vida que se percebe, que vem quem tem que vir, fica quem tem que ficar e morre quem merece morrer.
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