
CNV
3 de janeiro de 2023
Pequenos Sinais
9 de agosto de 2023
CNV
3 de janeiro de 2023
Pequenos Sinais
9 de agosto de 2023Nós de aço


Ele deixou um cabo de aço bem pesado enrolado num galho e foi embora. Já desfiado e enferrujado, mas ainda bem pesado. E eu não sei o que fazer com isso.
Na verdade eu sei que a vida de muita gente mudou depois que ele se foi. E esse cabo de aço enrolado no galho é só uma das coisas que temos que desenrolar pra seguir em frente.
De repente eu me vejo em uma solidão nova, diferente de toda a solidão que sempre me encontrei. É uma solidão silenciosa, cheia de dúvidas, muito além da dúvida do que fazer com esse cabo de aço pesado e enferrujado, que me arranha a cada tentativa de movê-lo.
Eu fico pensando em todas essas pessoas carentes dele, da viúva, da órfã, dos enfermos que não sabem mais em quem confiar pra tratar suas dores e feridas. E penso que nem tenho direito de reclamar ou chorar mais do que eles. Até porque, metade de minha vida, eu vivi tentando não depender de nada disso.
Porém, a cada passo incerto que dou, eu lembro de sua voz. Em cada reparo ou manutenção, que me vejo obrigado a fazer, encontro seus tesouros deixados pra trás. Amarrados nas árvores, pendurados em pregos aleatórios ou escondidos em caixinhas sujas nas prateleiras improvisadas de tábuas mal cortadas.
Muitas vezes eu me pego lamentando o quanto não queria estar aqui. Preso a esses casos de aço, vasculho por outras lembranças, gambiarras e aventuras, amarradas em galhos de árvores de minha mente.
Qual seria o propósito disso tudo? O que posso tomar pra curar esse nó em minha garganta? Como eu faço pra concertar esse piano? Cadê você pra me dizer o que devo fazer com esse cabo de aço?