Meu choro da semana anterior não foi só lágrima nos olhos. As duas vezes que chorei semana passada, foi um choro intenso, desses que fazem barulho, que provocam secreções além das lágrimas, que saliva a boca. Enquanto ao por do sol era um choro sem motivo aparente, lá no presépio era um choro triste, de preocupação e saudades. De repente havia algo a ser observado, algo que talvez eu estivesse ignorando.
A pousada que estávamos em Trancoso era muito gostosa. De início minha percepção com os anfitriões variava como a maré, num misto de simpatia e apatia, que ora me confortavam, ora me pedia pra sair. Estávamos a cinquenta metros de uma praia agitada, com faixa de areia tomada por bangalôs e ombrelones sobre sofás almofadados chiques que ocupavam todo o espaço. O som das ondas sumia sob o som das caixas de som tocando lounges constantes, numa imitação ostentativa de alguma praia em Ibiza ou Caribe.
Evitamos estar por lá desde que estivemos uma única vez e tivemos nossos humores destruídos pelo lixo deixado pra trás pelos playboys e patricinhas que dançaram e beberam durante toda a tarde daquele dia. Eu tenho evitado estar por lá e por outros lugares onde há pessoas que me destroem o humor. E é ai que minha consciência saiu da linha reta e bateu nas portas do coração pedindo pra entrar…
De repente eu choro com tanta intensidade, pois algo começa a me chacoalhar por dentro. Começo a perceber que é fácil estar em paz quando se está sozinho, quando sou só eu e Samanta. Mas o mundo é além de nós. Há meus pais, minha irmã, meus anfitriões. Há os playboys, os hippies, os falsos profetas, as moças sedutoras, o rapaz persuasivo. Há um Universo além de nós e fugir parece ser o caminho mais fácil.
De repente há a sensação de que o nomadismo não faz mais sentido pois enfim a desculpa de estar buscando já não cola mais. A quem eu quero enganar? Buscando o que, se já me encontro tão pleno? O choro pode estar demonstrando que há mais dor do que sentido nessa jornada assim como está. Há vontade de voltar, de ficar, de estar, mas também há vontade de partir, fugir de novo.
Afinal, há tanta paz ao caminhar sozinho. E essa confusão me agride.
Entre dúvidas, idas e vindas, a gente se agride e se acaricia dia a dia. Os humores mudam a cada tempo de verbo, a cada pronome pessoal, impessoal, primeira pessoa em paz ou terceira do plural, pra tirar o momento singular de nossas existências?
Ficamos – na primeira pessoa do plural – mais um pouco pra respirar. Pra esperar o mês financeiro virar. Ignorando o som alto que vem da praia e os silêncios daqui de dentro. Me pego querendo acreditar que é só algo cultural, um jeitinho de ser, como aprenderam ou foram moldados pela sociedade ou traumas, por eles, ela, ou eu. Enfim, está bom aqui, está bom assim. Vamos ignorar todo o resto pois nem temos pra onde ir ainda. E aqui há cama macia e wi-fi pra buscar alguma ideia, algum novo safe-point pra esperar por alguém ou alguma coisa singular.
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1 Comment
Sabe que quando saí pra mochilar a proposta era sair de peito aberto pra acolher toda vivência da jornada.
Como palhaça e principalmente atuando em hospital trabalho com o vazio, o precioso vazio que será preenchido não só por mim mas pelo outro e pelo ambiente que estamos, pelo nosso presente…estar presente.
Levo isso pra vida, estar presente no vazio e receber o que ele me oferece sem expectativa, julgamento, pré conceitos, preconceitos, etc etc etc…o precioso vazio.
Cada estado que entrei vi um mundo novo, sotaque, vocabulário, música, comida, higiene, hábitos, cultura, características físicas…tudo é diferente e me via diante desse riqueza porque estamos em um único país…estava eu nos Brasis desse gigante Brasil.
Totalmente diferente do que tinha de conhecimento, de conhecimento prévio que auxilia o entendimento, totalmente diferente de tudo que eu conhecia. Em cada estado o café da manhã é diferente.
A riqueza da vida de viajante é esta, transitar pelo vazio, ser preenchido pelo local, pelos locais e todo ritmo que permeia este viver….
Se eu concordava ou não com o que estava vendo não cabe em mim…mudanças só acontecem para quem é da terra, do local, pra quem só passa resta a observação sem julgamento, assim creio, assim me posiciono no caminhar, no meu vazio.
Amo seu texto, seu posicionamento, seus questionamentos e sobretudo sua entrega…não é fácil se abrir, se escancarar como faz…por isso meu garoto querido….é um prazer ser sua amiga.